A isenção sobre o frete e o potencial prejuízo causado às transportadoras

dezembro 3, 2019 0 Por Site Fetransul

Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é o direito fundamental à Segurança Jurídica, o qual, dentre outros aspectos, se caracteriza pela garantia de estabilidade jurídica; segurança da orientação do direito e pela garantia de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos dos atos emanados pelo poder público.

À despeito de tal garantia, é de conhecimento geral que as leis tributárias brasileiras são editadas de forma tão constante pelos três entes tributantes (Municípios, Estados e Federação) que se torna humanamente impossível acompanhar e se adequar a todas as inovações, ficando muito restrita a garantia de previsibilidade de seus efeitos.

Sob essa perspectiva, embora todos já tenhamos a experiência de nos deparar com situações caricatas perpetradas pela administração tributária, normalmente com prejuízo para os administrados, não me recordo de exemplo mais esquizofrênico que o caso da isenção sobre o Frete Interestadual concedido pelo Estado do Rio Grande do Sul, vejamos:

Em 2004, durante o Governo Rigotto, o Estado do Rio Grande do Sul concedeu isenção sobre o frete que tivesse origem no Estado do RS e destino outros Estados da Federação. Trata-se de uma isenção que, ao contrário das demais, causa prejuízo para a maioria dos contribuintes, pois o ICMS incidente sobre o frete deve ser tributado integralmente na venda pelo embarcador e, de forma respectiva, os créditos que as Transportadoras de Cargas teriam direito, especialmente sobre Diesel, Ativo Imobilizado e outros insumos, são glosados por expressa determinação legal, aumentando o custo efetivo desse serviço.

Uma das externalidades gerada pela glosa dos créditos foi, naturalmente, impulsionar as transportadoras a realizar aquisições de insumos e de ativos em outros Estados que possuam filiais, pois assim conseguem se apropriar dos créditos naquelas localidades, gerando, dessa vez, prejuízo ao Estado do RS, uma vez que os veículos acabam sendo adquiridos, emplacados e abastecidos em outras unidades federativas, diminuindo as receitas de IPVA e de ICMS.

Corroborando essa informação refere-se que o SETCERGS realizou pesquisa setorial e identificou que, com exceção de prestações de transporte específicas, a maioria das empresas transportadoras é afetada de forma negativa pela norma isentiva. O resultado da pesquisa foi entregue, ainda no corrente ano, ao subsecretário da Receita com o pedido expresso de término da isenção e facilitação na adesão ao sistema de apuração de créditos e débitos.

Se não bastassem as externalidades mencionadas, a referida isenção já foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, pois foi introduzida no ordenamento jurídico sem a devida autorização pelo CONFAZ. Porém, em razão das recentes alterações legislativas promovidas pela LC 160/17, a qual concedeu aos Estados prazo para denunciar as isenções ilegais, tal norma vem sendo reeditada.

Assim, durante este ano de 2019, ocorreram as seguintes alterações: i. em 01 de janeiro a norma isentiva perdeu validade; ii. em 04 de abril a isenção foi reinstituída de forma retroativa a 01 de abril; iii. em 30 de setembro a isenção perdeu validade; iv. agora, em 04 de novembro, a isenção foi reinstituída de forma retroativa a 01 de novembro.

É interessante ressaltar que a cada modificação legislativa é imputado aos Transportadores renegociar seus contratos com os embarcadores, adequar seu sistema de apuração contábil, reestruturar a apuração de créditos, renegociar com fornecedores, entre outras obrigações, as quais devem ser realizadas inclusive de forma retroativa. Assim, tais modificações não alteram apenas os contratos com embarcadores, os quais terão que repassar o ICMS e se creditar da etapa do Transporte, mas, também, alteram o planejamento das empresas, pois, uma vez permitido o crédito de ICMS, essas passam a realizar compras de ativos no Estado, sendo que com o retorno da isenção os créditos dessas compras são estornados.

Diante dessa situação, a atuação da SEFAZ-RS em relação ao tema tem sido alvo de questionamentos, tanto pela insegurança jurídica gerada, como pelos prejuízos causados aos transportadores.

Em um ano que começou com a boa expectativa da atuação da SEFAZ pela implementação das medidas previstas no plano RECEITA 2030, sob o qual é possível vislumbrar a boa vontade do administrador público em permitir a participação dos contribuintes na edição das normas, o resultado da atuação para o setor do Transporte de Cargas foi exatamente o oposto, gerando prejuízos, insegurança jurídica e custos de conformidade excessivos.

Por Fernando Bortolon Massignan.

Advogado e Professor

Zanella Advogados Associados.