A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) enfrentou, pela primeira vez em sede de dissídio coletivo, a controvérsia sobre o adicional de periculosidade para motoristas que conduzem veículos com tanques suplementares de combustível para consumo próprio. A Corte reconheceu a validade de cláusula de negociação coletiva (2021 a 2023) que afasta a incidência do adicional nessas hipóteses, marcando um precedente pioneiro no tratamento do tema no âmbito coletivo. A decisão foi publicada em 11 de abril de 2025.
Contexto e evolução normativa
O entendimento tradicional consolidado nos Tribunais do Trabalho, desde 2018, era de que o adicional de periculosidade seria devido sempre que o veículo transportasse combustível inflamável em quantidade superior a 200 litros, ainda que apenas para consumo próprio e mesmo quando o tanque estivesse de acordo com as normas do fabricante ou órgão competente.
Em resposta a esse cenário, o Ministério da Economia editou, em 2019, a Portaria nº 1.357, que acrescentou o item 16.6.1.1 à NR 16, excluindo expressamente do cômputo para fins de caracterização da atividade perigosa os tanques originais e suplementares, desde que certificados e destinados ao consumo próprio do veículo transportador.
Ainda assim, muitos tribunais continuaram a aplicar o entendimento anterior, sem considerar a nova redação da norma regulamentadora. O impasse perdurou até a promulgação da Lei nº 14.766/2023, que elevou essa exclusão ao plano legal, afastando de forma expressa a incidência do adicional em tais hipóteses.
O caso concreto: dissídio coletivo no Rio Grande do Sul
Antes da entrada em vigor da Lei nº 14.766/2023, o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Bagé ajuizou dissídio coletivo contra o Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários de Cargas do Extremo Sul (SETCESUL). As entidades firmaram acordo abrangendo o período de 2021 a 2023, o qual incluía cláusula que reconhecia a não caracterização de periculosidade nos casos de tanques suplementares para consumo próprio.
O acordo foi homologado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, mas teve sua validade questionada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que interpôs recurso ordinário junto ao TST. O MPT sustentava a prevalência do entendimento jurisprudencial anterior e a impossibilidade de afastamento do adicional por negociação coletiva.
Ao julgar o recurso, a SBDI-1 validou a cláusula pactuada entre os sindicatos, reconhecendo sua consonância com a evolução normativa e legislativa sobre o tema. Em seu voto, a Ministra Relatora destacou a importância da autonomia coletiva e a necessidade de compatibilizar a norma coletiva com o entendimento legal mais recente.
Repercussão e efeitos práticos
A decisão é inédita em dissídio coletivo e repercute diretamente em controvérsias judiciais que discutem a validade de cláusulas semelhantes, firmadas entre categorias profissionais e patronais em diferentes regiões do país. Também influencia ações individuais que tratam do tema a partir de dezembro de 2019, marco temporal da entrada em vigor da Portaria nº 1.357/2019.
Além disso, alinha-se com a legislação vigente e proporciona segurança jurídica aos empregadores e trabalhadores, especialmente no setor do transporte rodoviário. A medida contribui para redução de passivos trabalhistas e estabilização dos custos operacionais, reforçando a importância da negociação coletiva como ferramenta legítima para tratar de temas sensíveis no âmbito das relações de trabalho.
Atuação institucional e disponibilização
A defesa do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários de Cargas do Extremo Sul – SETCESUL foi conduzida pelos advogados da banca Caleffi & Vanin Advogados, com o devido apoio institucional da Confederação Nacional do Transporte – CNT, que integrou conjuntamente a atuação no processo perante o Tribunal Superior do Trabalho por meio dos advogados da Silveira & Unes Advogados.
Processo n. TST-ROT – 21339-47.2021.5.04.0000
Por Dra. Raquel Caleffi – Assessora Jurídica da Fetransul