Empresas gaúchas enfrentam escassez de insumos e produtos e queda nos estoques

setembro 18, 2020 0 Por Site Fetransul

Dificuldade em acessar os fornecedores é sentida por 47,6% das empresas brasileiras

Afrânio Kieling, presidente da FETRANSUL fala sobre o setor de transporte em meio a situação atual. “Os fabricantes de caminhões também estão com cerca de 2 mil veículos quase prontos parados porque os componentes importados, principalmente eletrônicos, não chegam. Mesmo assim, a federação percebe um aumento no transporte de cargas no Estado e espera que a situação normalize com a retomada da produção”, explica Kieling.

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Empresas gaúchas de diferentes segmentos, incluindo setores industriais e de comércio varejista, vêm enfrentando dificuldades para manter seus estoques abastecidos. A combinação de retomada nas atividades econômicas após meses de letargia, junto com um cenário cambial desfavorável à importação no Brasil, é o os principais fatores responsáveis pela espécie de “apagão de mercadorias” já sentida em alguns lugares.

No caso do varejo, especificamente, isso é um grande problema, adianta a economista da Fecomércio/RS, Patrícia Palermo, porque a venda cai por terra. E se agrava no momento em que o consumidor não tem interesse de “passear para comprar” e quer o produto o mais rápido possível. “Se ele não encontra o que quer em um lugar vai voltar para casa e possivelmente não vai voltar a esse estabelecimento”. Em compensação, aquelas empresas que estavam mais preparadas e contam com um estoque robusto saem em vantagem.

Quem foi a uma loja de materiais de construção, por exemplo, possivelmente não tenha conseguido encontrar tudo o que procurava. Esse é um dos segmentos varejistas no Rio Grande do Sul que mais têm relatado a dificuldade em obter mercadorias para vender, afirma Patricia.  

A explicação aqui é a mesma que pode ser aplicada a outras mercadorias. A indústria não está conseguindo suprir a demanda depois de tanto tempo parada ou operando na velocidade mínima. A matéria-prima utilizada está mais escassa ou cara no mercado global. Influenciam, ainda, o aumento na demanda por produtos bem específicos de março para cá ou de uma hora para outra com a reabertura de lojas e serviços.

Há queda no volume dos estoques de 59% das indústrias gaúchas, conforme dados de uma pesquisa realizada pela Fiergs obtidos com exclusividade pelo Jornal do Comércio. Elas admitem ter interesse em comprar mais matéria-prima, peças e componentes e há casos em que não estão conseguindo, adianta o economista-chefe da Fiergs, André Nunes.

A fabricação de veículos automotores e o setor alimentício são os que mais relatam queda nos estoques, aponta Nunes. Porém, por razões diferentes. O primeiro atribui a queda à interrupção nas atividades. O segundo, à alta na demanda interna e nas exportações. 

É também o caso das indústrias de material plástico gaúchas. O presidente do Sinplast, Gerson Haas, explica que a falta de matéria-prima tem mantido a produção da indústria petroquímica bem abaixo da sua capacidade máxima. A importação de insumos que já chegou a ser de 100 mil toneladas por mês, agora não passa de 20 mil toneladas.

As fabricantes de caminhões também estão com cerca de 2 mil veículos quase prontos parados porque os componentes importados, principalmente eletrônicos, não chegam, diz o presidente da Fetransul, Afrânio Kieling. Mesmo assim, a federação percebe um aumento no transporte de cargas no Estado e espera que a situação normalize com a retomada da produção. “A gente já sabia que isso podia acontecer. É como ir para a casa na praia: ela fica vazia durante meses, quando a família chega demora um tempo para arrumar”, explicaKieling.

A desvalorização do Real frente ao Dólar é uma das explicações para esse fenômeno. A outra pode ser o aumento na demanda. No caso da indústria do plástico, por exemplo, a busca por equipamentos de proteção individual (EPIs) e por embalagens de plástico para entregas via delivery ou pague e leve nos restaurantes e bares teve alta avassaladora.

A dificuldade na gestão dos estoques não é uma particularidade dos gaúchos. A pesquisa Pulso Empresa, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na terça-feira (15) indica que 47,6% das empresas brasileiras estão com alguma dificuldade no acesso aos seus fornecedores.

A retração nos estoques é apontada tanto pela indústria quanto pela construção civil e pelo comércio em nível nacional. Dos 3,2 milhões de empresas em funcionamento na primeira quinzena de agosto, 38,6% informaram que a pandemia afetou negativamente suas atividades, de acordo com o IBGE.

Preços podem subir, mas tendência é de ‘acomodação’ no médio prazo

Patrícia Palermo salienta que há setores combalidos, que não terão como repassar o aumento de custos ao consumidor
LUIZA PRADO/JC

Assim como o consumidor já percebe nos alimentos, o preço de outros produtos podem subir. O aumento no custo das empresas pode, sim, ser repassado ao cliente. Porém, os economistas explicam que nem sempre as empresas vão fazê-lo.

Tem outros fatores que são levados em conta, como a disponibilidade ou necessidade das pessoas em adquirir aquele produto, concorrência e a situação econômica enfrentada pelo setor nos últimos meses, dentre outros pontos. A saída para várias empresas vai ser diminuir a margem de lucro.

O setor têxtil, por exemplo, já está de olho na alta do preço do produto importado da China, o principal fornecedor de roupas para as varejistas no Brasil. Mas o comércio de vestuário gaúcho amarga uma queda de 49% nas vendas este ano e, mesmo com os estoques cheios, eles têm de ser renovados a cada nova coleção e estação devido à grande concorrência e exigência do cliente.

“Como esse setor vai repassar preço?”, questiona Patricia Palermo, da Fecomércio/RS. Patricia alerta que a alta ou queda nos valores que chegam à prateleira vai variar de acordo com cada caso e que, como estamos passando por um momento completamente atípico é difícil prever comportamentos.

O aumento nos preços dos insumos beneficiados pela indústria petroquímica gaúcha já chega a aproximadamente 30% – e pode chegar a 50% até o final do ano. Mesmo assim, a Braskem informou em nota que “em função da situação atual, com o impacto da pandemia, a Braskem vem praticando reajustes abaixo da paridade com os preços internacionais”. A empresa diz que vem absorvendo em seus custos a totalidade da variação cambial. 

O economista-chefe da Fiergs André Nunes complementa que há outros setores industriais que também terão de, basicamente, rever a margem de lucro. “Mesmo assim, hoje, 67% dos industriários gaúchos têm interesse em investir nos próximos seis meses”, diz Nunes, destacando que este é um importante termômetro para antever o otimismo do setor.

A tendência, dizem os especialistas, é que haja uma acomodação nos próximos seis meses sem a penalização dos consumidores. Eles afastam a possibilidade de um ‘apagão de mercadorias’ generalizado. O que deve acontecer é uma acomodação entre o tempo para obter insumos e mercadorias e o preço praticado.

“Foram seis meses bagunçando a casa e provavelmente serão outros seis arrumando. Não vai ser fácil nem será da noite para o dia”, prevê Patricia. Mas é passageiro, ela destaca, apostando nas festas de final de ano para dar um gaz nas vendas dos setores. 

Fonte: JC – Roberta Mello / Foto: Marcelo G. Ribeiro/JC