Bancos e governo discutem crédito para empresa média

abril 14, 2020 0 Por Site Fetransul

Proposta em estudo prevê maior cobertura de inadimplência por fundo do BNDES

Depois de implementar uma linha de crédito para financiar a folha de pagamentos de pequenas empresas, governo e bancos discutem agora medidas para estimular o crédito a companhias de médio porte, com faturamento de R$ 10 milhões a R$ 300 milhões, apurou o Valor.

Uma proposta em estudo prevê o uso facilitado do Fundo Garantidor de Investimentos (FGI) do BNDES. Criado há dez anos para servir de complemento às garantias oferecidas por empresas e caminhoneiros autônomos para tomar crédito, o recurso é hoje pouco acessado porque os bancos o consideram engessado. O fundo possui patrimônio líquido de cerca de R$ 1,2 bilhão, que proporciona cerca de R$ 11 bilhões em saldo disponível para concessão de novas garantias em operações, segundo o BNDES.

Embora o FGI seja voltado originalmente a operações de crédito para investimento, a ideia é que ele possa ser usado também para garantir linhas de capital de giro e modalidades com prazos de até 72 meses, sendo seis meses de carência. O desenho em discussão propõe que haja uma ampliação significativa na cobertura do fundo.

Hoje, o FGI cobre 80% do risco de inadimplência numa carteira em que a taxa de calotes seja de, no máximo, 7%. O restante fica com o banco que concedeu o empréstimo. O modelo proposto mantém os 80% de cobertura, mas, em vez de 7%, a inadimplência máxima assegurada pelo fundo passará a ser de 15% a 20%, segundo fontes que acompanham o assunto.

Com isso, os bancos teriam mais incentivos para financiar essas empresas, já que o risco de não pagamento dos contratos disparou com a crise decorrente da pandemia de covid-19.

Também há conversas sobre um uso simplificado desses recursos. No formato em vigor atualmente, o processo de obtenção de garantias do FGI é muito burocrático e a recuperação de créditos, difícil, afirma um executivo de um banco.

Cássio Schmitt, diretor de empresas, governos e instituições do Santander Brasil, diz que o modelo do FGI, se superada a complexidade operacional, pode dar mais segurança e agilidade na concessão de crédito às médias empresas. Ele afirma que, da forma como o fundo está desenhado atualmente, com uma garantia por operação e outra para a carteira de crédito de cada banco, é difícil trabalhar de forma mais massificada.

“Não estou dizendo que a lógica existente não seja correta, porque ela inibe que o banco conceda crédito ruim”, disse o executivo. “Mas a complexidade não pode acabar com a flexibilidade.”

O Valor noticiou na semana passada que o governo estuda injetar entre R$ 5 bilhões e R$ 10 bilhões no FGI e ampliar o escopo de atuação do fundo, voltado a garantir operações vinculadas a investimentos. Ainda estava em aberto, entretanto, se haveria espaço fiscal para bancar essas operações.

Não há, por enquanto, pedidos para que haja injeção de recursos públicos na concessão do crédito em si, o que difere essa discussão do modelo que foi adotado no financiamento à folha de pequenas empresas.

Os bancos vêm dizendo que não há necessidade de dinheiro do Tesouro Nacional para financiar empresas de médio porte. Empresas que faturam acima de R$ 10 milhões, que são mais estruturadas, podem ser atendidas pelas próprias instituições financeiras, disse na semana passada o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr.

A demanda agora é no sentido de ampliação da cobertura de calotes dessas operações. Segundo fontes do setor, o uso das garantias do FGI ajudaria a mitigar os riscos de uma crise que ainda é difícil de dimensionar, mas tem se mostrado mais profunda que o originalmente vislumbrado.

As empresas com receita entre R$ 10 milhões e R$ 300 milhões contemplam universos de clientes muito distintos para os bancos. As companhias que faturam até R$ 30 milhões são habitualmente atendidas pelas áreas de varejo, enquanto as maiores já estão sob o escopo das unidades de atacado das instituições financeiras, com acesso a produtos mais sofisticados.

Há duas semanas, o governo anunciou medidas para ajudar no financiamento do pelotão que vem imediatamente abaixo – o das empresas que faturam entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano. Nesse caso, o Tesouro entrou com R$ 34 bilhões de um total de R$ 40 bilhões para financiar a folha de pagamento dessas pequenas companhias. Além de oferecer 85% dos recursos, a União também ficará com 85% do risco de inadimplência. Aos bancos operadores da linha caberá o restante.

Em paralelo, estão em discussão entre governo e bancos ainda medidas para auxiliar no financiamento de empresas ainda menores, com receita de até R$ 360 mil, e de setores específicos.

A questão de cadeias produtivas seria tratada ontem em reunião entre representantes de bancos e do Banco Central (BC), informou Lazari, do Bradesco, em teleconferência com investidores. O executivo voltou a mencionar as companhias aéreas, as empresas de energia e a indústria automotiva como segmentos que vão precisar de soluções sob medida. O Valor apurou que o governo também discute ações voltadas à cadeia do varejo, prejudicada pelo fechamento de lojas – medidas que deverão passar pelo uso de recebíveis de cartões como garantia, por exemplo.

De acordo com um executivo de banco, o governo vem discutindo em quais segmentos poderá haver uma atuação conjunta com as instituições privadas. No entanto, ainda não está definido como será feita a reestruturação financeira das companhias desses setores e se será feito um refinanciamento dessas cadeias produtivas como um todo.

O BNDES já anunciou que entrará no capital de companhias aéreas por meio compra de debêntures conversíveis em ações a ser emitidas pelas empresas.

Uma preocupação, segundo outra fonte próxima aos bancos, é detectar quais segmentos realmente precisam de ajuda e afastar os pedidos considerados oportunistas. “Estamos avaliando que setores precisam de mais apoio do que os outros”, afirma.

Fonte: Valor Econômico – Por Talita Moreira e Flávia Furlan